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Tese de Doutoramento | 5.47 MB | Adobe PDF |
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O objetivo principal deste trabalho prende-se com a problemática inerente ao desenvolvimento de um processo de socialização da tradução, em que indivíduos comuns passam a ter um papel de destaque no desenvolvimento de traduções para web de forma voluntária, num modelo denominado por crowd translation. Este novo modelo de tradução, cuja existência abre novas perspetivas sobre o paradigma da tradução profissional, gera interesse na sua exploração, nomeadamente no que diz respeito à dinâmica e aos motivos que podem conduzir ao processamento de atividades colaborativas na área da tradução, especialmente para as redes sociais, as quais recorrem, na realização de trabalhos de tradução, a indivíduos voluntários que podem, eventualmente, não reunir as competências geralmente atribuídas a profissionais da tradução.
Nesse contexto, no primeiro capítulo foram expressos os objetivos gerais desta tese, que consistem em: analisar o funcionamento da tradução colaborativa na estratégia de internacionalização das redes sociais; propor um perfil tradutivo associado aos indivíduos que participam em processos de crowd translation; propor uma identificação e categorização dos tipos de confiança no crowd translation e, por fim, descrever e propor uma primeira análise da confiança tradutiva que se gera pela parte dos indivíduos que colaboram em processos de crowd translation, pela entidade que os promove e pelos utilizadores do seu produto tradutivo.
Paralelamente a estes objetivos pretende-se igualmente responder a três perguntas, sendo a primeira relacionada com o possível valor estratégico da tradução para as redes sociais, a segunda relacionada com a possível confiança que as empresas que recorrem a processos de crowd translation têm no método e no trabalho produzido e, por fim, com a possibilidade dos indivíduos que participam em processos de crowd translation terem confiança no trabalho que desenvolvem.
Assim, e com o intuito de criar o sustentáculo necessário à investigação desenvolvida nesta tese, foi realizado no segundo capítulo um enquadramento teórico com uma abordagem aos conceitos que sustentam este novo modelo de tradução. Para isso, fez-se uma incursão sobre os estudos descritivos da tradução como plano estrutural e disciplinário, à tradução natural num plano social de intervenção direta dos sujeitos e, num plano mais operativo uma incursão sobre a questão da equivalência como resultado destes processos. Por fim, surge uma abordagem às unidades de tradução, numa relação mais estreita com o plano tecnológico que sustenta o processo de tradução colaborativa.
Posteriormente é feita uma incursão sobre os avanços registados no campo das tecnologias da informação que se têm combinado ao longo dos anos com novas metodologias de comunicação e tradução, com o intuito de promover processos cada vez mais automatizados na área, facilitando claramente a fluidez dos processos comunicativos.
Os principais modelos de tradução abordados nesta tese concentram-se em processos de tradução colaborativa, com especial enfoque no modelo de crowd translation, depois de se reverem outros modelos como o da tradução assistida por computador ou da tradução automática. Foi também estabelecida uma relação entre o desenvolvimento da crowd translation e os fenómenos socias decorrentes da sociedade em rede, a qual acabou por conduzir à exploração de conceitos relacionados com o trabalho colaborativo potenciado em ambientes web.
Neste contexto, foram explorados conceitos que refletem o desenvolvimento de trabalho colaborativo, com suporte no pressuposto de que um grupo de pessoas pode produzir de forma mais eficiente do que os membros desse grupo individualmente. Foram tratados conceitos como as comunidades de prática virtuais, a cidadania organizacional e o crowdsourcing. Ainda aliado a estes conceitos, surge igualmente a perspetiva que defende a crença na existência da sabedoria das multidões.
O fenómeno do crowdsourcing, base do fenómeno do crowd translation, revê-se assim na produção colaborativa de um determinado produto ou conteúdo, beneficiando do conhecimento coletivo e voluntário espalhado pelos utilizadores da Internet. Este modelo opera de acordo com a crença positiva que cada um de nós tem uma diversidade muito grande de talentos e qualidades que são difíceis de expressar dentro das estruturas da sociedade atual (Howe, 2010) e, por consequência, tem sido aplicado em diversas áreas, incluindo a tradução, sendo que este novo modelo de tradução, com base no trabalho voluntário das multidões, é denominado por crowd translation ou mesmo crowdsourcing de traduções, como já mencionado anteriormente.
Em suma, a abordagem introduzida por estes conceitos contribuiu para a valorização do contributo pessoal dos membros destas comunidade, que se entreajudam para a construção de um bem que será comum e que beneficiará não só a própria comunidade onde se inserem, mas também outras comunidades ou indivíduos, dado que, efetivamente, existem milhares de utilizadores que contribuem para a rede de forma voluntária, sem a expectativa de obter nenhum tipo de remuneração ou retorno palpável. Fazem-no somente pela satisfação de contribuir e de ver reconhecido o seu contributo, o que pode, também, contribuir para um aumento da autoestima e da confiança pessoal, que suportam e reforçam a sua própria identidade.
Assim, e apesar da tradução automática e da tradução assistida por computador continuarem a ter um papel preponderante no campo da tradução profissional, os fenómenos sociais em processos de tradução têm-se tornando evidentes, particularmente em grandes comunidades como as redes sociais do Facebook, Twitter, Hi5 e Pinterest. No entanto, casos como o Wikipedia, as conferências Tedex ou mesmo organizações sem fins lucrativos como a Fundação Rosetta também beneficiam da atividade de numerosos utilizadores que são convidados a participar voluntariamente no processo de tradução dessas plataformas web, apesar da possível falta de competências académicas/profissionais para o fazer.
Este fenómeno, que aqui se identifica por crowd translation, enquadra-se assim num modelo de produção colaborativa de tradução, que alia a competência natural de tradução de colaboradores voluntários (de qualquer nível de competência e legitimidade no campo da tradução) para traduzir, ao conhecimento coletivo de voluntários espalhados pela web, tradutores ou não.
A emergência deste modelo é suportada por vários fatores relacionados não só com as necessidades dos utilizadores, mas também com as necessidades de internacionalização de certas organizações. Hoje em dia, é fundamental que todo o conteúdo disponível na web tenha a capacidade de chegar ao maior número de pessoas possível e isso só é provável que aconteça com o recurso a serviços de tradução e localização sejam eles profissionais ou voluntários. No entanto, embora a necessidade de chegar a um público mais vasto tenha sido um dos fatores que conduziu à emergência de fenómenos com o crowd translation, outras razões também são identificadas, a saber: os custos; velocidade e qualidade (Papula, 2011).
Para além destes três fatores, outro fator decisivo que pesa a favor deste tipo de modelo de tradução é a necessidade de criar maior proximidade com o público e as suas comunidades. Nesse sentido, é dada especial importância ao produto resultante das traduções, uma vez que as traduções são factos da cultura de chegada que, de forma ocasional, possuem um estatuto especial, por vezes até “constituting identifiable (sub)systems of their own, but of the target culture in any event” (Toury,1995:29). A componente cultural que os voluntários trazem para este processo pode não ser óbvia ou mesmo consciente por parte das empresas que se beneficiam dela, mas é, sem dúvida, um elemento-chave no processo.
Nesta secção foi dado um especial enfoque ao caso do Facebook e do Twitter, tendo sido explorado o seu percurso e o seu papel na dinamização e da promoção deste modelo, como parte de uma possível estratégia de internacionalização.
Por fim, o segundo capítulo termina com uma análise dos desafios que um modelo de tradução desta natureza ainda levanta, dado que é um modelo suportado por pessoas que podem não possuir as competências necessárias para o realizar de forma adequada. Ainda assim, dadas as necessidades imediatas de entendimento, o desvendar desses mesmos problemas acaba por ficar ao cargo dos restantes voluntários. No Facebook, por exemplo, existe um sistema de votação, cujo objetivo é validar as traduções inseridas pelos tradutores voluntários através dos votos dos restantes, tendo como intenção primária contribuir para a eliminação de erros e aumento da qualidade do produto tradutivo.
Dada esta nova tipologia de tradutor voluntário que acaba por emergir, o terceiro capítulo pretende assinalar algumas das crenças historicamente associadas à confiança na tradução, como também e sobretudo analisar o perfil do tradutor voluntário atual. Compreende-se que os tradutores voluntários que habitam estes novos modelos de tradução são essencialmente amadores e transportam um sentido de comunidade e de voluntariado que torna o seu perfil substancialmente diferente do perfil de um tradutor que exerce esta atividade de forma profissional. Nesse sentido, é um dos objetivos desta tese propor uma análise ao perfil tradutivo do tradutor voluntário, de forma a enquadrar mais claramente as características que se encontram subjacentes a estes indivíduos.
Nessa sequência e analisando o tipo de tradutores que povoam estas novas estratégias de tradução é proposta a sua categorização em três tipos de tradutores voluntários: também são tradutores profissionais, sejam eles acreditados com um curso superior ou não; não são tradutores profissionais, mas acreditam que possuem as competências necessárias para realizar esta tarefa; não são profissionais, mas consideram que apesar de não reunirem as condições ideais para realizar esta tarefa são capazes de o fazer.
Para além das motivações que se encontram associadas ao trabalho de tradução desenvolvido, surge igualmente um conceito fulcral neste processo que é o da confiança. Nesse sentido, e uma vez que a sua influência é determinante na investigação explanada nesta tese, é realizada uma caracterização geral do conceito de confiança, discorrendo-se em seguida sobre uma parte do contexto histórico que enquadra a problemática da tradução e da confiança.
Para finalizar o terceiro capítulo é feita uma exploração sobre o conceito de confiança tradutiva em ambientes de crowd translation, formulando-se teorizações sobre o processo que conduz à emergência de confiança nestes modelos e nestes ambientes web. Trata-se de uma das partes fulcrais desta tese, visto que, até à data, os estudos existentes no campo da confiança relativamente à tradução encontram-se essencialmente relacionados com estimativas de confiança em tradução automática, como, por exemplo, no caso da investigação de doutoramento de Nicola Uefing (2006). No entanto, o conceito de confiança tradutiva que é proposto nesta tese pretende refletir uma abordagem diferente, essencialmente concentrada na confiança tradutiva que é estabelecida em processos de tradução colaborativo realizados por indivíduos que podem não possuir as competências necessárias para fazê-lo. Assim, a confiança tradutiva a ser analisada reside no fenómeno da crowd translation.
Dado que este tipo de confiança incide mais no indivíduo do que na máquina, convém referir que, neste caso, se centra mais na competência do que no caráter, pois como referem Stephen Covey e Rebecca Merrill, as pessoas competentes são credíveis e por isso inspiram confiança (2006:92).
Encarando não só os processos, mas também os indivíduos que os realizam, Roy Lewicki e Edward Tomlinson (2003) afirmam que a nossa confiança num determinado indivíduo pode ser baseada na nossa avaliação da sua capacidade, integridade e benevolência, ou seja, quanto mais observamos estas caraterísticas noutra pessoa, mais provável é que a nossa confiança nela aumente. Revela-se igualmente numa expectativa gerada sobre um comportamento futuro de outra pessoa, associada a um sentimento de calma e segurança. Essa outra pessoa deve comportar-se como acordado ou pelo menos de acordo com expectativas subjetivas, deixando sempre aberta a possibilidade de a pessoa agir de forma diferente, dado que é impossível ou indesejável controlar essa mesma pessoa (Kassebaum, 2004:21).
Por fim, a confiança nessa pessoa também pode decorrer de uma transferência, ou seja, essa pessoa tornar-se confiável, pelo facto de alguém pertencente a um determinado ciclo de confiança a recomendar.
Contudo, neste contexto, não é possível alegar que a relação de confiança se constrói com cada um dos indivíduos que integram esta rede de trabalho colaborativo, dado que acaba por ser impossível conhecer e estabelecer uma relação com cada uma das pessoas que colaboram nestes projetos. Assim, acredita-se que a questão da confiança tradutiva acaba por ser um sentimento generalista associado a uma situação e a uma estratégia residindo no grupo e no método aplicado e não em cada uma das pessoas que para ele contribuíram em particular, até porque, na maioria dos casos, não é efetuada qualquer seleção das pessoas que participam nestes projetos.
Assim, os três tipos de confiança tradutiva que se propõem dentro do fenómeno da crowd translation e que se identificam nesta tese são: confiança de fé, confiança ponderada e confiança fundamentada.
A confiança de fé será o nível de confiança gerado nos casos em que não há evidências de que o processo de tradução irá funcionar. É um processo de confiança criado num ato de boa-fé, que vai de uma situação conhecida (tradução feita por profissionais) para uma situação quase totalmente desconhecida (tradução realizada por um grupo de voluntários, sem competências linguísticas comprovadas). A confiança fundamentada é caracterizada por um processo que se tem revelado como eficaz e com bons resultados em outros contextos, mesmo que as variáveis que o compõem possam mudar de caso para caso. Nesta situação, é possível entender como variáveis não só as línguas de trabalho, mas também os voluntários envolvidos na tradução e suas próprias motivações dentro do processo. Por fim, proponho a existência de um estágio intermédio de confiança que se encontra entre a confiança fé e a confiança fundamentada, sendo este estádio designado por confiança ponderada.
A categorização destes três tipos de confiança tradutiva que se propõe pretende fornecer uma melhor compreensão sobre a forma como os diferentes intervenientes no processo de crowd translation (entidades solicitadoras do trabalho, tradutores voluntários e utilizadores finais) encaram os moldes em que este tipo de trabalho é realizado, assim como a sua própria validade pessoal.
No quarto capítulo é abordada a metodologia de investigação utilizada neste trabalho. Tendo em conta que as atuais formas de comunicação e informação abrem novas e recorrentes possibilidades em termos de pesquisa e de investigação, não é surpreendente que, dado o uso alargado e o fácil acesso a este meio, a internet se tenha revelado como um objeto de investigação e também como uma ferramenta para o uso na investigação (Flick, 2006:255). Nesse sentido, e dadas as especificidades inerentes ao estudo que se pretendia fazer, nomeadamente o facto de os participantes terem de ser utilizadores do Facebook e/ou do Twitter, o tipo de investigação escolhido foi o estudo de caso em comunidades, analisado com recurso a uma abordagem qualitativa e quantitativa.
Os instrumentos de recolha de dados usados foram as entrevistas em linha e os questionários em linha. Posteriormente, é descrito o processo de validação das ferramentas utilizadas.
No que diz respeito ao questionário, e apesar de o mesmo se encontrar disponível tanto em Português como Inglês, a fim de atingir o maior número de respostas possíveis, acabou por ser essencialmente respondido por utilizadores portugueses, sendo uma parte deles tradutores voluntários.
Este capítulo termina como uma exploração das diferentes amostras (amostra das entrevistas e amostra dos questionários) utilizadas para o estudo, e desvela o papel do investigador em todo este processo.
O quinto capítulo vê explorado em maior pormenor os resultados obtidos por via do estudo de caso, discorrendo sobre os dados obtidos através das entrevistas e do questionário.
O modelo de entrevista, assim como as cinco entrevistas realizadas, poderão ser consultadas na sua íntegra na secção respeitante aos apêndices. Nessa mesma secção, poderão igualmente ser visualizados os questionários utilizados, tanto em português como em inglês, assim como os percursos condicionais possíveis que eram capazes de potenciar.
Por fim, no sexto capítulo são tecidas as considerações finais sobre o trabalho de investigação desenvolvido, sendo igualmente identificadas algumas limitações que lhe estiveram inerentes.
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